Leonardo Palhares
publicado em 23/08/2012
e-Sustentabilidade: Lei e Tecnologia a serviço do Meio Ambiente
Estes são tempos interessantes de serem vividos.
Em Junho de 2012 realizou-se no Brasil a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio + 20, ao longo da qual 188 Chefes e delegações de Estados se reuniram para debater os avanços na proteção ambiental mundial e, sobretudo, as perspectivas futuras para o meio ambiente e suas relações com a sociedade atual. Deixando de lado as críticas e ponderações acerca dos resultados obtidos por tal iniciativa, dois pontos entre tantos são dignos de atenção para o presente artigo: (i) o número expressivo, quase recorde, de chefes e delegações de Estados presentes no Rio de Janeiro para as discussões acerca da preservação ambiental em plena crise econômica mundial e (ii) o fato de pela primeira vez terem sido abordados com o devido relevo a relação existente entre a proteção do meio ambiente e o uso da tecnologia do dia a dia na atual “sociedade da informação”[1].
Com foco neste segundo ponto, a Federação Interamericana de Advogados, por meio do seu Comitê de Direito das Telecomunicações, Ciência e Tecnologia, foi convidada pela ONU a promover em conjunto com a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (www.camara-e.net) um “On-Site Event” que tratasse sobre o tema e-Sustentabilidade e como poderiam os Estados, as Empresas e a Sociedade Civil em geral contribuir com a preservação ambiental a partir da utilização cotidiana da tecnologia que hoje permeia a vida “on-line” de nossa Sociedade da Informação. E assim foi feito. O seminário “e-Sustentabilidade: Lei e Tecnologia a Serviço da Proteção Ambiental” foi um instigante sucesso. Contando com a adesão de entidades nacionais, internacionais, representantes do Governo brasileiro e de multinacionais as discussões acerca do tema mostraram como pode ser importante o papel do mundo digital na preservação do meio ambiente e levantou questões relevantes sobre como deveriam ser organizados os próximos passos em prol de uma presença on line nesta nova Sustentável Sociedade da Informação.
O presente artigo pretende de forma simples e sumária, sem tecnicismos e místicas, trazer à baila estes principais passos, que necessariamente passam pela definição dos papéis dos principais atores envolvidos (Item 1) e da criação de métricas que possam permitir o cálculo dos benefícios atingidos como forma de incentivo à adoção de medidas e criação de políticas públicas e privadas (Item 2).
I – Quem faz o quê? O papel de cada um na nova Sustentável Sociedade da Informação
A adesão de Chefes de Estados à Rio + 20 e toda a repercussão geral que o tema proteção ambiental assumiu nos últimos anos são mostra do quão ultrapassado seria o entendimento de que, na expressão usada pelo Professor Brasileiro Eduardo Viola[2], a degradação ambiental seria uma “doença de ricos”. O conceito de desenvolvimento sustentável, apesar da banalização de seu uso, já é compreendido ou pelo menos conhecido por boa parte dos povos cultivados.
O ponto que permanece, entretanto, é a sempre necessária definição de papéis. O que cada um poderia e deveria fazer para transformar o discurso em fato e internalizar a parcela de responsabilidade que cada um tem pela utilização de recursos naturais. A definição de papéis neste sentido parece ser fundamental para a boa colocação em prática de políticas efetivas de proteção ambiental, inclusive no ambiente virtual:
1.1 – O Papel do Estado na criação do e-Governo
A definição de políticas públicas simples, efetivas e eficazes focadas no desenvolvimento sustentável deve ser o ponto de partida para qualquer análise, tanto no tocante aos comandos e incentivos que deverão ser transferidos à sociedade, quanto no tocante à definição dos princípios de sua própria atividade na gestão da coisa pública.
Neste sentido, é essencial que a busca efetiva pela sustentabilidade na Sociedade da Informação passe pela assunção pelos Estados de um modelo de governança que aproveite os recursos tecnológicos a disposição. A redução na produção de papéis, adoção de modelos eletrônicos e on line para a prestação de suas atribuições perante os cidadãos deve ser prerrogativa de todo Estado na adoção do que podemos chamar como e-Governo.
Neste sentido, como sede da Rio + 20 e do próprio Seminário e-Sustentabilidade, o Brasil vem cumprindo o seu papel na luta pela desmaterialização de seus processos administrativos e burocráticos. Assumindo um modelo ambicioso de e-governança, o Brasil adotou nos últimos anos um planejamento estruturado para a adoção de ferramentas digitais e também on line de estruturação de suas funções e dos seus serviços, colocando-os todos à disposição de cada um dos seus cidadãos em ambientes virtuais, evitando deslocamentos desnecessários, sobrecarga do sistema de transporte público, gastos com materiais e geração de resíduos, evitando a emissão indevida de carbono na atmosfera.
Declarações de imposto de renda são anualmente prestadas via internet, consultas a sistemas públicos, cartórios, processos judiciais ou mesmo a contribuição em discussões de projetos de lei podem ser livremente acessadas por qualquer cidadão brasileiro com acesso à internet. A partir da criação de um sistema baseado em certificação digital e o fortalecimento das identidades públicas confiáveis, mais de 5 bilhões de notas fiscais foram emitidas eletronicamente no Brasil em 2011. À luz de um Plano Nacional de Banda Larga, o Brasil já conta com mais de 70 milhões de pessoas conectadas à internet e com acesso a todos serviços de e-Cidadania oferecidos pelo Estado. Números e exemplos como estes literalmente se multiplicam junto ao governo brasileiro e geral economia de processos, materiais e, mais importante, de recursos naturais.
Mas nenhum destes avanços seria possível se não houvesse uma conjunção de 4 fatores, compromissos essenciais para a criação de qualquer estrutura de e-Governo: (i) comprometimento político para a transformação do Estado e rompimento de paradigmas burocráticos resistentes; (ii) adoção de planejamentos bem estruturados calcados em políticas efetivas de adoção de ferramentas digitais de governo, (iii) o fortalecimento do papel das instituições do Estado voltados para a tecnologia e para a criação de uma sociedade conectada e, sobretudo, (iv) a criação de marcos regulatórios que permitam a solidez de todos pontos listados acima.
1.2 – O Papel das Corporações e os Compromissos Voluntários
Quando do lançamento pela ONU do Pacto Global (The Global Compact – http://www.unglobalcompact.org), iniciativa de livre adesão idealizado para a adoção de práticas de responsabilidade social corporativa, alguns líderes das principais corporações do mundo declararam que depois de séculos de responsabilidades atribuídas aos Estados, era o momento de deixar a condução de parte dos assuntos relevantes de nossa sociedade global para as corporações.
Por mais inquietante que possam ser as possíveis interpretações deste posicionamento, é inegável a relevância do papel das corporações quando o assunto é proteção ambiental, sobretudo se considerado o atual modelo de crescimento econômico ao qual somos todos submetidos atualmente. São as corporações que fazem o maior uso dos recursos naturais disponíveis e por seus canais de produção passam boa parcela das atividades efetiva ou potencialmente lesivas ao meio ambiente.
A grande questão é como fazer com que as corporações, de antagonistas na proteção ambiental, possam se transformar em parceiras.
A resposta talvez esteja no voluntarismo ou, como diriam os juristas franceses, a noção do “faire ensemble”. Experiências atuais em políticas de preservação do meio ambiente mostram como políticas públicas vetustas de comando e controle[3] são cumpridas (quando muito) em seus limites mínimos e, ao contrário, com os instrumentos incitativos de proteção ambiental podem ser valorizados (como tributação verde ou mercados de créditos de carbono, por exemplo). A ideia central que aqui se sustenta é que a participação das corporações poderia se dar em maiores níveis e com mais comprometimento se estas pudessem sentir os benefícios diretos da adoção de práticas ambientalmente sustentáveis.
O papel das corporações diante do prisma do voluntarismo poderia se expandir para além das obrigações puras e duras relacionadas ao núcleo de suas atividades e seus impactos ao meio ambiente para abranger outros campos periféricos de suas operações que também poderiam representar ganhos ambientais, como o consumo consciente de materiais de escritório, papéis, energia de computadores, deslocamento de executivos, etc[4]. é justamente neste ponto que a tecnologia pode auxiliar a Sociedade da Informação a fazer a sua parte e ajudar na proteção ambiental.
Mas como engajar as corporações do mundo inteiro sem a ameaça da espada forte do Estado sobre suas cabeças? A resposta talvez esteja a seguir.
II – Marketing Ambiental e a Geração de Métricas para a Quantificação do Benefício Ambiental
A crescente consciência ecológica dos cidadãos é hoje o maior aliado que o desenvolvimento sustentável tem no mundo. Espera-se que o meio ambiente seja protegido e iniciativas voltadas para este fim são reconhecidas, validadas e preferidas pelo mercado em geral. Centenas de estudos e análises apontam para o fato de que consumidores tendem a preferir empresas que tenham suas marcas e filosofias voltadas para a responsabilidade socioambiental.
No tocante à adoção de tecnologias cotidianas para a proteção de recursos ambientais o problema que atualmente se encontra é justamente a falta de métricas simples e objetivas que possam servir de referência para Estados ou corporações. A falta de tais métricas impossibilita Estados e corporações de entender a representatividade de pequenos atos, tanto sob o ponto de vista de custos quanto de impactos ao meio ambiente e, por outro lado, com ainda maior importância, impedem o mercado e consumidores em geral de poderem compreender e valorizar a importância de tais atos.
Por não existirem padrões reconhecidos que demonstrem o quanto o meio ambiente é beneficiado por atos simples como a assinatura digital de um contrato ou a realização de uma videoconferência, por exemplo (evitando a impressão de papeis, o deslocamento de pessoas, a poluição do ar, a sobrecarga do transporte público e privado, etc), ações simples e significativas deixam de ser adotadas de forma sistemática. Em igual medida, pela falta de tais métricas políticas públicas incitativas deixam também de serem criadas e o ciclo virtuoso da preservação ambiental para a e-Sustentabilidade ou para a Sustentabilidade da Sociedade da Informação deixa de ser alimentado.
Os estudos e a criação de métricas que permitam o cálculo simples dos impactos positivos da adoção de serviços on line em substituição aos tradicionais serviços praticados via meios “físicos” poderiam permitir que várias ações fossem sistematicamente adotadas por particulares e corporações ou mesmo incentivadas a partir de políticas públicas coerentes e coesas.
Não se trata de ciência espacial, mas de mero comprometimento, estudo e cálculo.
Inspiradas pelos ventos soprados na Rio + 20 e com base em acordos de cooperação assinados no curso do Seminário e-Sustentabilidade: Tecnologia e Lei a Serviço da Proteção Ambiental, duas ações significativas vem sendo tomadas pelas suas instituições organizadoras.
De um lado, a Federação Interamericana de Advogados iniciou suas ações para a montagem de um Observatório Interamericano de Direito Digital, cujo intuito é criar um reseau de jusristas por todas as américas que possam contribuir para o desenvolvimento de normas e regras capazes de incentivar e permitir a adoção de práticas de sustentabilidade para a Sociedade da Informação.
Por outro, em valiosa cooperação com o ITI – Instituto nacional da Tecnologia da Informação (www.iti.gov.br), a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico iniciou os trabalhos e estudos para a preparação do primeiro modelo nacional de métricas para a e-sustentabilidade, que uma vez publicado permitirá a quantificação precisa do benefício ambiental de todas as medidas tecnológicas de preservação de recursos ambientais e proteção ao meio ambiente no Brasil. Iniciativa inovadora que poderá, uma vez finalizada, servir de exemplo para todos países latino-americanos a partir da divulgação via Observatório Interamericano de Direito Digital.
São mesmo tempos interessantes de serem vividos e ainda mais interessantes quando temos a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento de nossa sociedade em ações que realmente contam.
Cabe a cada um de nós contribuir como pudermos.
Por: Leonardo A. F. Palhares[5] e Caio Iadocico de Faria Lima[6], advogado das áreas de Direito Eletrônico e Direito Ambiental do escritório Almeida Advogados.
[1] – Na definição de Fritz Machlup: “Sociedade da Informação é um termo – também chamado de Sociedade do Conhecimento ou Nova Economia – que surgiu no fim do Século XX, com origem no termo Globalização. Este tipo de sociedade encontra-se em processo de formação e expansão. Este novo modelo de organização das sociedades assenta num modo de desenvolvimento social e econômico onde a informação, como meio de criação de conhecimento, desempenha um papel fundamental na produção de riqueza e na contribuição para o bem-estar e qualidade de vida dos cidadãos. Para o avanço dessa sociedade é necessária a possibilidade de todos poderem aceder às Tecnologias de Informação e Comunicação, presentes no nosso cotidiano que constituem instrumentos indispensáveis às comunicações pessoais, de trabalho e de lazer”.
[2] – E. VIOLA, A evolução das políticas ambientais no Brasil (1971-1991), Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento Sustentável. Campinas: Unicamp, 1992.
[3] – Comando e Controle é a forma com que se identificam em geral as políticas públicas que atribuem ao Estado o papel de criar as normas a serem seguidas (comando) e se comprometer em fiscalizar o seu devido cumprimento (controle), atribuindo punições àqueles que não obedecerem.
[4] – Recentemente a Microsoft publicou artigo no Brasil (http://www.camara-e.net/2012/04/18/verdes-sim-com-muito-orgulho/) sobre seus esforços em minimizar em 30% os impactos ambientais de suas atividades de escritório no meio ambiente, conseguindo a partir de ferramentas de gerenciamento de energia de seus servidores uma redução de consumo de mais de 22 milhões de kWhs em energia elétrica.
[5] – Advogado Brasileiro, sócio do escritório Almeida Advogados, Conselheiro da Federação Interamericana de Advogados e Vice-Presidente de Estratégia da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico.
[6] – Advogado Brasileiro, associado do escritório Almeida Advogados, membro da Federação Interamericana de Advogados e da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico.
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