Por Priscila Figueiredo
Na data de 20/10/2022 foram publicadas alterações nas Resoluções do CNSP nº 415 e 429/2021 e na Circular da SUSEP nº 635/2021 que tratam do funcionamento do Open Insurance (OPIN). As normas editadas foram a Resolução CNSP nº 450/2022 e Circular SUSEP nº 681/2022.
As alterações promovidas nos atos infralegais têm por objetivo principal substituir as então denominadas “sociedades iniciadoras de serviço” (SISS) pelas “sociedades processadoras de ordem do cliente” (SPOC). A substituição da nomenclatura, por si só, não traz grandes impactos na intenção original das normas infralegais que deram origem a uma nova figura no Sistema Nacional de Seguros Privados (SNSP) sem respaldo na legislação vigente. Entretanto, a modificação mais pujante na Resolução CNSP nº 450/2022 e na Circular SUSEP nº 681/2022 recai sobre a inclusão expressa de que as SPOC possam ser empresas corretoras de seguros, observados todos os requisitos necessários para autorização de funcionamento no âmbito do Open Insurance.
Ainda, as modificações também objetivaram substituir a nova nomenclatura do então denominado “Open Banking” por “Open Finance”, conforme Resolução Conjunta entre Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central do Brasil (BC) de nº 4/2022, que ampliou o espectro da interconexão dos produtos e serviços financeiros.
Em que pese o processo de edição dos atos normativos publicados na data de 20/10/2022 não esteja público para consulta, é amplamente sabido, desde a consulta pública que antecedeu a edição dos atos normativos originários que implementaram o Open Insurance, o desconforto do mercado de seguros – do qual se incluem a sociedades seguradoras e os corretores de seguros – sobre a criação das SISS.
A invenção de uma nova figura no SNSP sem amparo legal com atribuições que se confundiam e usurpavam competências típicas dos corretores de seguros, somada a exclusão destes profissionais para atuarem como SISS, eram alguns dos fundamentos da insatisfação com as normas regulamentadoras. Ainda, as normas editadas no âmbito do CMN e do BC abrangendo matérias de regulação exclusiva do CNSP e da SUSEP, sem a participação dos respectivos órgãos competentes, também foram objeto de questionamentos quanto à sua legalidade. Por tais motivos, dois Projetos de Decretos Legislativos foram protocolados no Câmara dos Deputados propondo a sustação de dispositivos pontuais dos atos normativos, além de terem sido dirigidas diversas manifestações de entidades representativas do setor à SUSEP com a ampla exposição de inconformismo quanto aos fatos narrados.
Provavelmente motivados pelo contexto descrito, o CNSP e a SUSEP editaram alterações às normas regulamentadoras do OPIN com a mudança da nomenclatura de “SISS” para “SPOC” e com alterações que passaram a admitir que empresas corretoras de seguros que atendam a todos os demais requisitos normativos possam se credenciar no sistema de dados abertos.
Muito embora a criação de uma instituição “alheia” ao SNSP na forma prevista no Decreto-Lei nº 73/1966 – as SPOC – ainda seja um ponto crítico não superado, inclusive com a dispensa de credenciamento de sociedades que desempenhem serviços semelhantes no âmbito do Open Finance (as denominadas “instituições iniciadoras de transação de pagamento”), as alterações normativas sinalizam o entendimento dos órgãos reguladores sobre o papel dos corretores de seguros no OPIN para a consecução das atividades pretendidas às SPOC, uma vez que possuem a mesma natureza de intermediação praticada pelos corretores de seguros.
Neste aspecto, ganha destaque o artigo 5º-A da Resolução CNSP nº 429/2021, incluído pela Resolução CNSP nº 450/2022:
Art. 5º-A O corretor de seguros, pessoa jurídica, para ser credenciado como SPOC deverá:
I – atender a todos os requisitos para credenciamento e funcionamento estabelecidos nesta Resolução para SPOC; e
II – ter como objeto social, exclusivamente, a atuação como intermediária na contratação de produtos de seguros, de capitalização e previdência complementar aberta e a prestação de serviço de iniciação de movimentação no Open Insurance.
Parágrafo único. O corretor de seguros, pessoa jurídica, credenciado como SPOC deverá observar a regulamentação vigente relativa a corretor de seguros e Open Insurance.
Nota-se a expressa preocupação do regulador em (finalmente) incluir os corretores de seguros na estrutura, exigindo, para tanto, entre outros requisitos: (i) que sejam pessoas jurídicas constituídas na forma de sociedades anônimas; (ii) com patrimônio mínimo de R$ 1.000.000,00, ou superior para as sociedades já em operação; (iii) a necessidade de renovação do credenciamento a cada 5 (cinco) anos; e (iv) que desempenhem objeto social exclusivo de intermediação na contratação de produtos de seguros, de capitalização e previdência complementar aberta e a prestação de serviço de iniciação de movimentação no Open Insurance.
Sobre este último requisito, que exige objeto social exclusivo, as normas não são claras sobre exceções para os corretores de seguros que desempenhem outras atividades relacionadas ao seu objeto social, da mesma forma com que concede às sociedades processadoras de ordem de o cliente “puras”, na forma prevista no artigo 8º da Resolução nº 415/2021. Trata-se de ponto de preocupação diante da ausência de vedação legal para a cumulatividade das atividades desempenhadas pelos corretores de seguros e, adicionalmente, a existência de outras atividades desempenhadas por empresas corretoras aderentes ao seu objeto social, como a de Autoridades de Registro na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil.
Em que pese alguns requisitos exigidos para o funcionamento de SPOC sejam totalmente compreensivos diante da sensibilidade do tratamento dos dados no âmbito do Open Insurance, ainda não são claros os motivos para imposição de regras tão rigorosas para as empresas corretoras de seguros, que são habilitadas e fiscalizadas pela SUSEP e pelas autorreguladoras do mercado, principalmente em comparação com as facilidades (e até da dispensa de credenciamento) concedidas para as instituições iniciadoras de transação de pagamento do Open Finance, por exemplo.
Ao se analisar as normas editadas no âmbito do BACEN (Resolução BCB n° 80 de 25/3/2021), constata-se que uma Instituição iniciadora de pagamento também precisa ter capital mínimo de R$ 1.000.000,00, no entanto, pode ser constituída de “sociedade empresária limitada ou anônima e ter por objeto social principal ao menos uma das atividades listadas na no art. 6º, inciso III, da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013”, da qual se extrai uma gama de atividades possíveis, dentre elas, “outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil”. Ou seja, não se exige exclusividade de atividade no âmbito do Open Finance para as instituições iniciadoras de transação de pagamento – e, salvo melhor juízo sequer existe o mesmo tipo de reciprocidade para credenciamento de SPOC no Open Finance -, mas as normas no âmbito do CNSP exigem exclusividade para as SPOC constituídas de corretores de seguros.
A Resolução CNSP nº 450/2022 e a Circular SUSEP nº 681/2022, embora com alguns pontos de aprimoramento pendentes, permite a efetiva integração dos corretores de seguros no Open Finance para que possam desbravar a completude das iniciativas de do sistema aberto, que abrange os mercados financeiro, de capitais, de seguros, de previdência e de capitalização, com a atribuição adicional de desempenhar atividades de processamento de ordem do clientes. Contudo, independentemente da nomenclatura utilizada – SISS ou SPOC -, claramente as referidas “sociedades” ainda são alienígenas ao Decreto-Lei nº 73/1966, cujas atividades deveriam estar limitadas às entidades integrantes do SNSP, item levemente corrigido com a inclusão das empresas corretoras de seguros no OPIN.