O debate no Brasil e no mundo sobre a identificação na web está cada vez mais acalorado. Por aqui temos Ministério Público, Polícia e juristas representando os conservadores e, do outro lado, proprietários de provedores, blogueiros e usuários de redes sociais de modo geral. Para tratarmos desse tema controverso é preciso que se vislumbre as diferentes possibilidades de navegação e comunicação pela internet e principalmente separar anonimato de privacidade. Talvez, por aí, possa surgir uma solução que venha agradar a todos. Havemos de concordar que uma coisa é manter o anonimato nos emails e sites de relacionamento, quando seu fim é a comunicação interpessoal. E outra bem distinta é permanecer anônimo quando se navega em web sites. A diferença é sutil – se é que atualmente é possível fazer essa distinção de forma clara. Teoricamente, à análise do ordenamento jurídico brasileiro, a privacidade é um direito constitucional da pessoa humana ( Art. 5º X – São invioláveis a intimidade, a vida privada a honra e a imagem das pessoas…) enquanto o anonimato não ( Art. 5 IV. É livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato). Segundo o dicionário Aurélio, privacidade é vida íntima, intimidade; enquanto anonimato é o hábito de escrever sem assinar. Os tribunais vêm dando boas pistas sobre o tema. A desembargadora Letícia Sardas, do tribunal do Rio de Janeiro, assim manifestou-se em sentença: “O direito à privacidade constitui um limite natural ao direito à informação. O direito ao anonimato constitui um dificultador dos mecanismos de segurança em ambiente virtual.” Todos concordamos que a quebra de sigilo de comunicação deve ser sempre exceção. O problema é que a facilidade ao anonimato na web vem facilitando muito a criminalidade. Basta olharmos para nossas caixas de correio eletrônico para vermos a quantidade de tentativas de furto de dados que sofremos diariamente através de vírus e cavalos de tróia. E num campo mais tênue, o recorrente incômodo do envio de emails com propaganda indesejada por meio do spam, causando incalculável prejuízo e irritação a quem perde seu tempo deletando-os. Em famoso festival anual promovido em Austin,no Texas (EUA), Christopher Polle, 22 anos, chamou atenção ao fazer apologia ao anonimato. Criador do 4chan.org, que está sendo chamado de anti-Facebook e já atinge mais de 12 milhões de usuários, Polle foi ovacionado ao alegar que somente sob sigilo as pessoas têm liberdade para fazer determinadas coisas, como denúncias de pessoas muito poderosas em regimes ditatoriais, por exemplo. A atriz Felicia Day, que estava presente, declarou que “muitos de nós são impedidos de fazer coisas sem o anonimato por medo de fracassar”. Em contraponto, o Facebook de Zuckerberg investe cada vez mais na identificação de seus usuários, tendo, inclusive, criado recentemente uma ferramenta de identificação de comentários sobre postagens de blogs e artigos. O objetivo seria acabar com posts irresponsáveis. Quero crer que a linha a ser demarcada é aquela clássica em que o direito de um termina onde começa o de outro. Existem mecanismos legais para denúncias anônimas com bastante sucesso como, por exemplo, os relativos ao tráfico de drogas. Até o presente momento o anonimato não trouxe nada de tão substancial à sociedade moderna, muito pelo contrário, trouxe grandes prejuízos. Por outro lado, sabemos que a privacidade na web para cidadãos comuns não existe, somos sim monitorados sempre que navegamos, mas também cada vez mais em nossas vidas fora da web. Essa, por razões de segurança e aquela, pela grande mão do mercado a que nada escapa. Até mesmo a recente explosão de insurreição nos países árabes, que culminou com a derrocada de vários déspotas, não foi realizada sob anonimato. Tomou corpo justamente pela legitimidade e pela identificação entre muitos e por seus ideais comuns, provando que mesmo nesses regimes é possível bradar protestos sem máscara. O anonimato é intrínseco ao conceito de privacidade, porém, deve ser restringido a privacidade apenas àquilo que é ético, moral e lícito. Pode-se exigir privacidade ao navegar em sites pornográficos, pois trata-se de assunto de foro íntimo, mas não se deve conceder o mesmo direito a indivíduos que navegam nas páginas de pedofilia, que é crime. Quero crer finalmente, paciente leitor, que o maior problema de privacidade possa estar sendo criado pelo próprio narcisismo da geração web. Essa que se expõe instantaneamente e voluntariamente, por impulso, sem pensar nas consequências de sua própria evasão de dados. Ninguém lê a política de uso de sites sociais, serviços gratuitos de email, lojas de comércio eletrônico e outros, onde claramente abre-se totalmente mão da privacidade. Muitos, inocentemente, acreditam que “há almoço grátis na web” e que seus dados não estão sendo usados indiscriminadamente, e ainda sem nenhuma reserva, ética e pudor. Outros, clamam por leis que supostamente nos protegem e esbravejam contra a obrigatoriedade de identificação em lan houses e o arquivamento obrigatório de logs dos provedores. A realidade é uma só: O anonimato só interessa àqueles que tem algo a esconder. E cá entre nós, privacidade na web está virando lenda…
Angelo Volpi Neto
Bacharel em Direito pela PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), é diretor da ANOREG–BR (Associação de Notários e Registradores do Brasil) e vice-diretor da ANOREG-PR. Também ocupa o cargo de conselheiro honorário e membro da Comissão de Informática da União Internacional do Notariado, além de ser titular do 7º Tabelionato de Curitiba (PR). Professor convidado nos cursos de pós-graduação de várias instituições, entre elas PUC-PR, IBEST (Instituto Brasileiro de Estudos), Academia Brasileira de Direito Constitucional, escreveu e publicou os livros “Comércio Eletrônico: Direito e Segurança” (Ed. Juruá) e “A vida em bits” (Ed. Aduaneiras). Coordena o Comitê Notarial da Câmara Brasileira do Comércio Eletrônico.