Em um mercado tradicionalmente estruturado ao redor de grandes portais (apoiados e custeados por operadoras de telefonia ou conglomerados de mídia) ou serviços de e-commerce (com a B2W, responsável por Americanas.com e Submarino, puxando a fila) com estratégias centrada em soluções próprias, o Buscapé vem se firmando como um “agregador de startups”.
A compra pela Naspers, que gastou US$ 342 milhões por 91% do comparador de preços em setembro de 2009, só acelerou uma postura já assumida pela empresa nos anos anteriores. Quando o Buscapé trocou de mãos, seu cofundador e presidente Romero Rodrigues anunciou que havia caixa para aquisições. A entrada do capital sul-africano, porém, deu gás ao Buscapé nas suas compras, que prometiam sair apenas do mercado brasileiro. Prometiam.
Um ano e meio depois, o Buscapé percebe que encher o carrinho na América Latina não vai ser tão fácil assim. “Seria excelente fazer aquisições na América Latina para ganhar mercado, mas não tem”, afirma Romero em uma conversa exclusiva com o Tecneira.
“Caixa não é limitação pra gente. O problema é a escassez de empresas que façam sentido a gente ter”. Em outras palavras: o Buscapé não consegue gastar o dinheiro que tem na velocidade que pretendia. O motivo? O atraso no mercado empreendedor da América Latina, principalmente se considerarmos o nicho de comércio eletrônico. “O e-commerce (na região) está muito atrasado em relação ao Brasil”, diz Romero. Seis meses após a Naspers assumir o controle, o Buscapé fez sua primeira aquisição fora do Brasil: a PagosOnline, ferramenta colombiana de pagamento eletrônico.
Mesmo com a dificuldade em expandir sua atuação na América Latina, a compra de 70% da Navegg, anunciada na semana passada, e da argentina DineroMail (leia atualização no fim do post) fez com que o Buscapé atingisse nove aquisições na sua história e ultrapassasse o número de empresas assimiladas antes da compra pela Naspers – nos dez primeiros anos, foram quatro aquisições (BondFaro, eBit, Pagamento Digital e FControl), mesmo número do último ano e meio (PagosOnline, ZipMe, eBehavior, Navegg e DineroMail).
Há um padrão nestes negócios, principalmente entre as três últimas: o Buscapé compra participação suficiente para tomar decisões estratégicas envolvendo a startup, mas ainda deixa um pedaço para que os criadores se mantenham envolvidos. “Não tem problema nenhum botar dinheiro na empresa e fazer cash out (lucrar com a venda). Mas o empreendedor tem que ser esperto e inteligente para ver o valor” da plataforma de negócios que o Buscapé oferece, afirma Romero.
Um exemplo que não envolve aquisição: o buscador emprestou máquinas e espaço físico para a PE2, startup por trás de um sistema visual de comparação de preços para celulares. Houve a negociação para uma parceria mais profunda, mas “não chegamos a um acordo e cada um seguiu para seu lado”.
Em um mercado digital com cada vez mais dinheiro, startups e direcionamento profissional, o Buscapé assume o papel de tubarão ao redor do qual as sardinhas nadam. As semelhanças entre o ambiente de 2010/2011 é muito parecido com o de 1999/2000, quando o buscador foi inaugurado. “”Vemos a mesma atividade no mercado de quando lançamos o Buscapé”, diz Romero, que fundou o buscador na universidade e hoje é seu presidente multimilionário.
Uma das consequência disto é o aumento no interesse dos estudantes em montar a própria empresa em vez de assumir cargos em uma multinacional. É o chamado espírito empreendedor, sufocado por anos pelas condições extremamente áridas que empreendedores em potencial enfrentavam no Brasil. Hoje, o trabalho de abrir uma empresa ainda não é fácil, mas não é tão difícil como o caminho experimentado pelos “loucos” (a definição é Romero) que se aventuraram no setor.
A ascensão dos investidores anjo no Brasil, movimento impulsionado pela volta de executivos que acumularam milhões de reais ao mercado para ajudar os mais novos, tem no Buscapé um dos seus exemplos mais emblemáticos: a procura aumentou tanto após a Naspers que o Buscapé abriu um departamento apenas para lidar com contatos de novos empreendedores interessados em apresentar um projeto. Desde abril de 2010, é o departamento quem conversa “com pelo menos 2 empresas todos os dias”.
Pode escrever: o fenômeno dará frutos em médio prazo – o caminho de uma boa ideia a uma empresa estruturada e com potencial o suficiente para atrair a atenção de compradores não é curto assim. Enquanto o tempo não chega, o Buscapé vai ocupando um lugar estratégico no crescente mercado de empreendedorismo digital brasileiro que deverá se traduzir em benefícios (financeiros, principalmente) nos próximos anos.
Afinal de contas, na simbiose com as sardinhas, o tubarão também tem suas vantagens.
Update: é preciso fazer uma atualização. No dia seguinte à publicação deste post, o Buscapé divulgou no Brasil que comprou sua segunda empresa latino-americana: a argentina DineroMail, empresa de pagamento eletrônico (tal qual a colombiana PagosOnline) com mais de 3,5 milhões de clientes na região. O valor da transação não foi divulgado. O texto do post original e a linha do tempo foram alterados para incluir a nona aquisição.
Por: Guilherme Felitti
Fonte: Época Negócios