“O comércio eletrônico nada mais é do que uma forma de se fazer negócio, de se comprar ou vender produtos ou serviços, tal qual acontece no mundo off-line. Não faz o menor sentido criar leis que regulem o comércio eletrônico, porque, para isso, já existem as leis que regulam o comércio”, declarou o vice-presidente de Estratégias da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (camara-e.net) e coordenador do Comitê Jurídico da entidade, Leonardo Palhares, durante painel realizado no dia 22/06, na Arena Braspag, dentro da programação do e-Show Brasil. Mediado por Gastão Mattos, CEO da Braspag, o debate contou também com a colaboração dos convidados Samuel Gonçales, da e-Millenium, e Miguel Fernandez, da Dinda.
Palhares iniciou sua apresentação comentando os projetos de leis (PL) que podem impactar o e-commerce e destacou o PL sobre proteção de dados, que, de acordo com ele, é um dos maiores desafios do setor online hoje no país. “Mais de cem países já têm uma legislação sobre o uso correto de dados dos usuários dentro ou fora da internet. O Brasil ainda não é um deles e as consequências são negativas para o nosso mercado online. Mas isso deve mudar logo, porque projetos de lei já estão em discussão desde 2010 e agora observamos a intensificação das discussões no Congresso.”
Em entrevista à camara-e.net, Palhares falou mais sobre o assunto e ainda comentou o trabalho que a entidade desenvolve no sentido de levar às esferas públicas o consenso e a visão do setor para os desafios atuais. Confira:
Camara-e.net: O comércio eletrônico representa um importante segmento da economia brasileira e hoje é fonte de renda para muitas famílias. Atualmente, há várias propostas de lei no país que estão de olho na relação entre os consumidores virtuais e as lojas online. Em sua opinião, é natural que, à medida que o e-commerce cresça as leis relacionadas a ele também se multipliquem?
Leonardo Palhares: Não. Na verdade, o comércio eletrônico nada mais é do que uma forma de se fazer negócio, de se comprar ou vender produtos ou serviços, assim como sempre existiu no mundo off-line. A diferença é a plataforma. Logo, algumas leis fazem sentido quando disciplinam a plataforma propriamente dita. O Marco Civil da Internet é uma delas, pois disciplina como funciona a Internet no Brasil, quais são os direitos prorrogativos de um usuário e por aí vai. Mas não faz o menor sentido criar leis que regulem o comércio eletrônico, porque, para isso, já existem as leis que regulam o comércio. Para dar um exemplo: em uma das reformas que se pensou em fazer para o Código de Defesa do Consumidor, havia previsão de se incluir um capítulo exclusivo para comércio eletrônico, o que não faz sentido porque as regas de proteção do consumidor devem ser aplicadas tanto no mundo online e quanto no off-line.
Camara-e.net: Ou seja, o comércio eletrônico não precisa de leis específicas?
Palhares: Não, não precisa. O Marco Civil já é o bastante. Boa parte da legislação já regula o comércio e já está valendo para o mundo inteiro. O comércio eletrônico não precisa de leis específicas, só naquilo que é específico e, para isso, o Marco Civil serve.
Camara-e.net: Em sua avaliação, a maioria dos projetos de leis está alinhada aos anseios da sociedade, do comércio e da Economia Digital?
Palhares: Não. Boa parte dos projetos que a gente vê surgir são mais frutos de uma vontade de trabalhar o tema. O comércio eletrônico no Brasil tem quase 60 milhões de e-consumidores. São mais de 100 milhões de brasileiros usando a internet e isso tudo está muito em foco, gera muita atração para o comércio eletrônico e muito interesse pela Internet, o que faz com que existam algumas iniciativas que sejam mais oportunistas e menos pensadas.
Camara-e.net: Entrou em vigor no início deste ano a Emenda Constitucional 87 (EC 87), que mudou significativamente a forma de recolhimento do ICMS. A mudança na forma de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços afetou o comércio eletrônico?
Palhares: Sim. A forma de recolhimento do ICMS no Brasil foi alterada para o comércio eletrônico no Brasil a partir de janeiro deste ano por causa da EC 87. Antes dela, o imposto era recolhido integralmente no local de origem do produto, isto é, onde a compra foi feita. Agora ele é recolhido parte na origem e parte no destino. Até aí tudo bem, porque esta equação está alinhada ao reequilíbrio das questões econômicas do e-commerce e isso não é uma prerrogativa brasileira, aconteceu no mundo todo. O problema houve, na verdade, quando se criou uma lei sem discutir com os agentes envolvidos, sem que o setor tivesse sido ouvido antes e pudesse opinar na forma como isso seria implementado. O resultado é uma lei que afeta muito as operações do comércio eletrônico no Brasil e, cuja implementação, tem sido muito custosa para os grandes varejistas do setor e é impossível para as pequenas empresas. É impossível para uma micro, pequena ou média empresa arcar com todos os custos necessários para fazer as adequações que a lei exige, afinal, hoje existem 27 Estados brasileiros e cada um deles têm regras diferentes para o recolhimento do imposto. Não houve ao menos uma padronização do próprio Estado no sentido de recolher tal imposto. Neste cenário, observamos duas situações: vários empreendedores que vão fechar os seus negócios porque não vão conseguir atender a essas novas demandas regulatórias e tributárias, ou então boa parte dos micro e pequenos empresários que atuam no e-commerce vai partir para a informalidade e deixar de recolher imposto. Este último cenário é o mais provável.
Camara-e.net: A camara-e.net, por meio do Comitê Jurídico e até mais especificamente do Grupo de Trabalho de Assuntos Tributários – GTAX, trabalhou ativamente para que o texto da EC 87 não prejudicasse as empresas de comércio eletrônico, principalmente as MPEs. Pode comentar um pouco sobre essa atuação.
A Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico tem atuado muito de perto com todos os secretários de fazenda do Brasil e tem sido convidada para reuniões com o Confaz (Conselho de Secretários de Fazenda), que é o órgão dentro da estrutura do Governo capaz de direcionar uma resposta a essa questão. Nosso trabalho tem sido diário na tentativa de explicar o que está acontecendo com os empresários do e-commerce e tentar achar uma solução para o assunto.
Camara-e.net: Quais outras leis que hoje merecem atenção especial das empresas e instituições da área de comércio?
Palhares: Destaco um projeto de lei que está em discussão há alguns anos, mas que deve ser aprovado em breve é o de proteção de dados. Os dados são um ativo muito importante na economia digital, com big data e todas as possibilidades que a tecnologia confere hoje às operações. Exemplos de grandes empresas do mundo da internet atual, como Facebook e Google, não cobram nada do seu usuário final, mas coletam dados e usam esses dados de navegação de cada um como ativo importante no plano econômico da empresa. Há mais de cem países com leis que regulam o tratamento de dados no mundo, mas o Brasil ainda não é um deles. Ela está em discussão e deve ser aprovada em breve e muito provavelmente irá impactar bastante as atividades na internet.
Camara-e.net: Que princípios devem ser seguidos para se adequar as novas propostas de proteção de dados?
Palhares: São dois, basicamente: informação e consentimento. Ou seja, tudo está relacionado à privacidade. Se eu coleto os dados de alguém, eu preciso ter o consentimento dessa pessoa e também preciso informá-la sobre o que vou fazer com tais dados. Fiquem atentos, porque quando essa lei for aprovada muita coisa vai mudar.
Camara-e.net: Qual a importância da camara-e.net participar de um evento como o eShow?
Palhares: O comércio eletrônico é um setor muito pujante e que se desenvolve muito rápido. Um alinhamento institucional e a presença de instituições que possam agregar o máximo de associados e trabalhar o desenvolvimento de um melhor setor econômico em conjunto é essencial. A camara-e.net cumpre esse papel, por isso é importante que ela esteja em fóruns como este. A união faz a força e essa é uma das instituições onde a força se materializa.
Fonte: Paloma Santos e Letícia Martins, assessoras de comunicação da camara-e.net (comunicacao@camara-e.net)