É essencial que haja diálogo efetivo com os agentes privados que serão impactados pelas mudanças
Brasília, 17 de setembro de 2025 — A Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), entidade que representa os principais provedores de serviços digitais em operação no Brasil, acompanha as notícias de que o Governo Federal enviou ao Congresso um projeto de lei que cria a possibilidade de imposição de obrigações especiais a plataformas digitais de “relevância sistêmica”, além de criar um novo órgão regulador dentro do CADE. A entidade reforça que o Brasil já dispõe de um arcabouço sólido em defesa da concorrência, proteção de dados e direitos do consumidor de forma transversal a todos os segmentos da economia, incluindo as chamadas plataformas digitais. A proposta, ao prever um rol exemplificativo de obrigações que podem ser impostas, abre espaço para exigências indefinidas e pouco transparentes, ampliando a incerteza jurídica. Criar novas camadas sem coordenação apenas amplia a sobreposição regulatória, trazendo insegurança jurídica, instabilidade e retração da inovação.
O compromisso com a livre concorrência, a transparência e a proteção do consumidor é um princípio compartilhado por todos os atores da economia. No entanto, o projeto suscita preocupações quanto ao seu desenho institucional: em vez de focar em condutas anticompetitivas já previstas na lei, cria uma categoria de empresas sujeitas a controle prévio e obrigações adicionais, independentemente da constatação de infração concorrencial.
A premissa que guia essa discussão é baseada em uma distinção artificial de um “mercado digital” apartado do “mercado tradicional”. A economia brasileira, de forma geral, é composta por empresas que utilizam, em diferentes graus, de ferramentas tecnológicas para operar e oferecer novos serviços e produtos. Essa segmentação desigual acarreta profundos desequilíbrios de mercado que irão prejudicar os consumidores, a inovação e o crescimento econômico.
O cenário em que essa proposta está sendo discutida permite ao Brasil se beneficiar da observação das experiências internacionais com regulações semelhantes. O Digital Markets Act (DMA) da União Europeia já demonstrou desvantagens significativas, sendo a principal delas o fato de que empresas europeias (incluindo startups) e consumidores estão deixando de ter acesso, ou enfrentando atrasos severos para acessar, aos avanços mais recentes em IA, modelos de linguagem de grande porte, e modelos multimodais. As empresas europeias estão deixando de obter milhões de euros em receitas devido às limitações à publicidade direcionada, o que favorece os incumbentes e prejudica pequenas empresas que dependem desse tipo de publicidade. Consumidores europeus sofrem com a degradação das buscas e a fragmentação de produtos e serviços integrados. Enquanto isso, o governo do Reino Unido tem trabalhado para evitar danos decorrentes do Digital Markets, Competition and Consumer Act (DMCC), que criou enorme incerteza quanto à inovação e ao investimento.
Ademais, as características únicas do mercado brasileiro fazem com que a adoção irrestrita de modelos europeus seja particularmente questionável. Diferentemente da União Europeia, o Brasil conta um um ecossistema vibrante de campeões nacionais digitais e startups inovadoras que conseguiram atingir escala tanto nacional quanto internacionalmente. O ambiente digital desenvolveu organicamente um conjunto de players locais lado-a-lado com empresas globais, gerando um espaço dinâmico e competitivo. O Brasil deveria continuar a construir sobre essa base de sucesso, em vez de importar abordagens regulatórias de regiões que tiveram dificuldades para fomentar ecossistemas similares de inovação digital.
A camara-e.net defende uma abordagem regulatória baseada em evidências, proporcionalidade e diálogo contínuo entre setor público, setor privado e sociedade civil. A criação de novos entes reguladores, a imposição de obrigações ex-ante indistintas e a padronização de condutas num setor marcado pela diversidade de modelos de negócio devem ser analisadas com cautela.
A entidade está à disposição para colaborar com o Congresso Nacional e os demais formuladores de políticas públicas na construção de um modelo regulatório que valorize a concorrência, sem perder de vista a liberdade econômica, a segurança jurídica e a capacidade do Brasil de liderar com dinamismo a transformação digital global.




